Após ter sido alvo de uma operação da PolĂcia Federal (PF) sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) passou dois dias na embaixada da Hungria, em BrasĂlia, segundo informações do jornal americano The New York Times (NYT).
VĂdeos publicados na segunda-feira (25/03) pelo NYT mostram momentos da estada do ex-presidente na embaixada entre 12 e 14 de fevereiro. Segundo o jornal, Bolsonaro parecia ter a intenção de pedir asilo polĂtico ao governo hĂșngaro.
A defesa do ex-presidente divulgou uma nota confirmando a estada e afirmando que a presença de Bolsonaro na embaixada foi para "manter contatos com autoridades do paĂs amigo".
Bolsonaro e Viktor OrbĂĄn, o primeiro-ministro da Hungria, mantĂȘm uma relação de proximidade hĂĄ anos.
Os dois se encontraram pessoalmente em pelo menos trĂȘs ocasiões e trocaram elogios e sinais de camaradagem pelas redes sociais em diversos outros momentos.
Embora o Brasil não tenha grandes fluxos migratórios ou parceria econômica com a Hungria, Bolsonaro cultivou durante seu governo uma relação próxima com o primeiro-ministro hĂșngaro de direita, Viktor OrbĂĄn, explica o cientista polĂtico Dawisson Belém Lopes, professor de polĂtica internacional e comparativa na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
"Essa relação estava baseada no compartilhamento de uma visão de mundo lastreada por autoritarismo e religiosidade", diz Belém Lopes.
'Irmão' e 'herói'
O premiĂȘ hĂșngaro foi um dos dois lĂderes europeus a confirmar presença para posse de Bolsonaro, em janeiro de 2019.
Em abril daquele ano, OrbĂĄn recebeu Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PL e filho de Jair Bolsonaro, em Budapeste.
O próprio ex-presidente planejava uma visita à Hungria em 2020, mas por conta da pandemia de covid-19 a viagem só seria concretizada em 2022.
Na ocasião, os dois lĂderes assinaram memorandos de entendimento nas ĂĄreas de defesa, cooperação humanitĂĄria e gestão de recursos hĂdricos, e trocaram elogios.
"Acredito na Hungria, acredito no prezado OrbĂĄn, que eu trato praticamente como um irmão, dadas as afinidades que nós temos na defesa dos nossos povos e na integração dos mesmos", disse Bolsonaro após uma reunião com o aliado.
O ex-presidente também saudou o que disse ser uma consonância de valores representados pelas duas nações, resumidos, segundo ele, em "Deus, pĂĄtria, famĂlia e liberdade".
"Comungamos também da defesa da famĂlia com muita ĂȘnfase. Uma famĂlia bem estruturada ela faz com que a sua respectiva sociedade seja sadia. Não devemos perder esse foco", disse Bolsonaro.
Durante as eleições presidenciais de 2022, OrbĂĄn retribuiu os elogios ao apoiar a campanha de Bolsonaro.
Em um vĂdeo compartilhado pelo ex-presidente em suas redes sociais, o premiĂȘ hĂșngaro exaltou algumas das polĂticas de seu então colega governante.
"Tenho servido meu paĂs na Europa por mais de trinta anos, jĂĄ encontrei muitos lĂderes, mas vi poucos lĂderes tão excepcionais como seu presidente, o presidente Bolsonaro. Fico feliz de ter tido a oportunidade de trabalhar com ele. Foi uma grande honra ter visto e aprendido como ele reduziu impostos, estabilizou a economia, reduziu as taxas de crimes", disse o hĂșngaro na mensagem. "Espero que ele possa continuar seu trabalho."
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, o governo da Hungria também teria oferecido ajuda para reeleger Bolsonaro.
De acordo com documentos obtidos pela reportagem, em julho de 2022, em plena campanha, o chanceler hĂșngaro, Péter SzijjĂĄrtó, teria conversado com a então ministra da Mulher, da FamĂlia e dos Direitos Humanos, Cristiane Britto, em Londres, e perguntado "se haveria algo que o governo hĂșngaro poderia fazer para ajudar na reeleição do presidente Bolsonaro".
Mais recentemente, Bolsonaro e OrbĂĄn se encontraram na Argentina, durante a posse do presidente Javier Milei em dezembro de 2023.
Os dois tiveram uma reunião privada e, em uma rĂĄpida declaração, o hĂșngaro afirmou que Brasil e Hungria estão mais distantes, mas o futebol e a polĂtica ainda unem os dois paĂses.
OrbĂĄn ainda chamou Bolsonaro de "herói".
"Temos muita coisa em comum, mas ele é muito mais bonito do que eu", brincou o ex-presidente.
No mesmo dia da operação da PF contra Bolsonaro —e dias antes de o ex-presidente passar as duas noites na embaixada da Hungria—, OrbĂĄn utilizou as redes sociais para declarar apoio ao aliado.
"Um patriota honesto. Continue lutando, senhor presidente", escreveu o lĂder hĂșngaro.
Quem é Viktor OrbĂĄn?
OrbĂĄn estĂĄ no poder desde 2010 e, segundo o Parlamento Europeu, comanda um "regime hĂbrido de autocracia eleitoral".
Ele foi reeleito em 2014, 2018 e 2022 e é o lĂder hĂĄ mais tempo no governo entre os paĂses da União Europeia atualmente.
Classificado por muitos como direita radical, OrbĂĄn parece não saber como descrever a sua própria posição, investindo tanto no que chama de "democracia iliberal" como na "liberdade cristã".
Desde que chegou ao poder, ele passou a acumular poderes com uma guinada autoritĂĄria que começou no JudiciĂĄrio e no Legislativo, e avançou para a imprensa.
Em pouco mais de uma década, OrbĂĄn trocou centenas de juĂzes das cortes hĂșngaras por aliados, alterou a lei eleitoral e, como o apoio de grupos econômicos aliados, praticamente acabou com vozes crĂticas na imprensa hĂșngara.
O presidente brasileiro não é o Ășnico a fazer acenos ao polĂȘmico primeiro-ministro. O avanço do autoritarismo na Hungria fez de OrbĂĄn uma inspiração para a lĂderes de direita em outros paĂses, como a Polônia.
Durante anos, a retórica e as polĂticas anti-imigração foram a marca da polĂtica externa de Viktor OrbĂĄn. Ele também se apresenta como um protetor dos valores cristãos contra a "ideologia de gĂȘnero e LGBT" e o liberalismo ocidental.
Nos Ășltimos 12 anos, o governo hĂșngaro redefiniu o casamento como a união entre homem e mulher na Constituição e limitou a adoção para homossexuais e os direitos dos transexuais.
Por suas ações, entrou em conflito com outros lĂderes da União Europeia (UE) e foi criticado no Parlamento Europeu.
Mais recentemente, o lĂder hĂșngaro, que é o aliado mais próximo do russo Vladimir Putin na UE, foi alvo de crĂticas por bloquear temporariamente uma ajuda europeia à Ucrânia de 50 bilhões de euros (R$ 269 bilhões).
O veto aconteceu depois que governantes da União Europeia ignorarem a sua recusa em iniciar negociações para a adesão de Kiev ao bloco. Por fim, o fundo foi aprovado no inĂcio de fevereiro.
Fonte: Correio Braziliense